Revista Galwan 2022

B asta abrirmos o smartphone que te- mos um mundo de opções a nosso dis- por e o Direito é sempre desafiado a se adaptar, regular novos comporta- mentos e resolver os conflitos que surgem. Com isso, recentemente, em 20 de abril de 2021, o Superior Tribunal de Justiça, analisando sobre a possibilidade, ou não, da “locação” por apli- cativo em determinado caso concreto, enten- deu, por estreita maioria de votos, ser possível a imposição de limites a essa modalidade de “locação” em unidade condominial com des- tinação residencial para fins de hospedagem remunerada, com múltipla e concomitante lo- cação de aposentos existentes nos apartamen- tos, a diferentes pessoas, por curta temporada, embora a referida decisão não deva configurar precedente para situações que, embora pare- cidas e referentes ao Airbnb, não possuam as mesmas particularidades. Mais ainda recentemente, o mesmo Supe- rior Tribunal de Justiça se debruçou novamente sobre este tema para decidir se condomínios podem proibir o aluguel por curta tempora- da por meio de plataformas digitais, havendo manifestação da 3ª Turma permitindo ao con- domínio a proibição dessa prática, desde que prevista na convenção, respeitando o quórum de votação de dois terços para a sua alteração. Ocorre que algumas análises precisam ser realizadas sobre essa hipótese, alertando, des- de já, aos leitores que, embora o tema tenha ganhado ampla repercussão, especialmente porque toca em questões sensíveis das relações condominiais, principalmente no que se refere ao sossego, à segurança e à salubridade dos condôminos, cada caso deve ser interpretado segundo suas condições peculiares. Num primeiro momento, poder-se-ia levar a confronto o direito de propriedade de um lado e a segurança de outro para, então, debater- -se acerca se seria possível, ou não, haver a cessão da posse das unidades imobiliárias em condomínios residenciais por diária. Locação por aplicativo NOVAS CONTROVÉRSIAS RAFAEL TEDESCO é mestre em Direito e sócio do Escritório RODRIGO LOUREIRO MARTINS ADVOGADOS ASSOCIADOS e membro associado ao IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário ARTIGO ARTIGO Porém, seguindo o pensamento do professor Rodrigo Toscano, torna-se relevante analisar- mos se estaríamos diante de um “contrato de locação por diária” ou de um “contrato de hos- pedagem” ou de um modelo contratual atípico. Para Rodrigo Toscano, a natureza jurídica desse tipo contratual que envolve, ao menos, três relações jurídicas (entre o anfitrião e o pres- tador de serviço pelo aplicativo; entre o hós- pede e o prestador de serviços pelo aplicativo, e; entre o anfitrião e o hóspede), transcende a locação, bem como ao contrato de hospeda- gem previsto na Lei 11.771/2008, embora esteja mais aproximado deste. Sendo assim, conclui tratar-se, na verdade, de uma atividade com- plexa, cuja natureza jurídica do contrato envol- vendo a plataforma Airbnb e assemelhadas é híbrida ou mista, traduzindo-se num contrato "sui generis" por envolver aspectos da locação e da hospedagem, com preponderância desta última. O Min. Raul Araújo entendeu tratar-se de “um contrato atípico de hospedagem, que expressa uma nova modalidade, singela e ino- vadora de hospedagem de pessoas, sem víncu- lo entre si, em ambientes físicos de padrão residencial e de precário fracionamento para utiliza- ção privativa, de limitado conforto, exercida sem inerente profissionalis- mo por proprietário ou possuidor do imóvel, sendo a atividade co- mumente anunciada e contratada por meio de plataforma digi- tais variadas”. Sendo assim, ou seja, partindo da natureza jurí- dica de um contrato atípico, aproximando-se mais de um contrato de hospedagem (contrato atípico de hospedagem), cabe-nos analisar a possibilida- de da sua realização quando o seu objeto diz respeito a um “contrato de hospedagem atípico em condomínio com destinação residencial”. Para tanto, é preciso analisar a constituição e, sobretudo, a atribuição da finalidade do con- domínio edilício, porquanto a possibilidade ou não de se disponibilizar unidades imobiliárias para hospedagem por diárias através do uso de plataformas digitais encontrará guarida na destinação do condomínio edilício prevista na convenção, sem que isso represente afronta ao direito de propriedade do condômino. Novamente segundo Rodrigo Toscano, as tradicionais vedações sobre a impossibilida- de de se ter, por exemplo, uma loja, um con- sultório médico, uma clínica de beleza em um apartamento, não suscita a mesma discussão que vemos agora com o contrato atípico de hospedagem? A obrigatoriedade de se obser- var as regras de destinação da edificação não afronta o direito de propriedade, não havendo R e v i s t a G a l w a n • 113 112 • R e v i s t a G a l w a n

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