Revista Galwan 2022

Na falta do amor-próprio o outro se trans- forma num encarregado, num condenado a su- primir essa falta. Bem, aí é batata! Nesse caso o enlace vira nó cego, e o abraço, o do afo- gado: aquele que leva todos ao fundo do poço. De modo que ter uma vida interior rica e sadia é única forma de fazer elos sadios com os outros. Atente, vida interior rica significa cultivar motivações íntimas que nos guiem para um horizonte de realizações materiais e espirituais. Buscando a constante nutrição de um sentido, de um propósito ou de um caminho evolutivo. Ou em português claro, o que estou dizendo é que para se relacionar com o outro, é preciso primeiro se relacionar consigo. Ponto. Criar e sustentar o amor-próprio. Amar e suportar a solidão – essa, existencial; essa que não tem a ver com sofrimento, mas sim com a consciência de que chegamos e partiremos sós deste mundo; essa que no fim das contas é o que nos define; essa que diz do nosso ca- minho espiritual, que é sempre individual, ain- da que tenhamos irmãos gêmeos; essa em que somos nós, nossas bênçãos, nossos carmas e nossos botões. Enfim, como bem disse Nelson Rodrigues, essa grande, perfeita solidão, precisa, dese- ja, procura, anseia por uma companhia ideal. E assim voltamos ao ponto inicial: como po- demos nos relacionar, sem ter amor de sobra? Amor com escolta, amor como escola, amor como propósito, amor como revolução? Então cultivar a vida é cultivar a força da vontade para realizar, cultivar a inteligência para aprender e transformar, cultivar todas as formas possíveis de se nutrir de dentro pra fora. Finalmente, o outro pode caminhar ao meu lado; o outro pode ser um companheiro, mari- do, parceiro, esposa, namorado; pode ser um elo que nos deixa mais felizes, mais fortes. Mas para isso há uma premissa irrevogável: sermos todos inteiros. Da perfeita "A grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal”, Nelson Rodrigues Você sabe, o amor é um dos acontecimentos mais maravilhosos possíveis. Mas, isso não significa que ele não seja com- plexo... Ao contrário, dependendo da configu- ração, ele também pode envolver inúmeros ti- pos de frustrações. Fazer o quê? Nos relacionamos para nos tornarmos maiores, para amplificarmos a existência, para experimentarmos a sensação de unidade. E fa- zendo isso desde que nascemos, logo apren- demos que a criação dos laços, ou o cultivo da gosma que nos mantém unidos, depen- dem das emoções. E como das emoções, o amor é mesmo o maior, o mais plumoso, o mais importante de todos, ele então precisa estar sempre acom- panhado, escoltado por uma dupla imprescin- dível: a inteligência e a vontade. Porque sem isso, sem este cuidado, que tam- bém podemos chamar de aprendizagem, o amor pelo outro bem pode tornar-se perigoso. Ou seja, no lado sombrio do amor, que se dá quando ele se perde da inteligência ou da vontade, podem surgir sentimentos de vibrações muito baixas, como a insegurança, o ciúme, a posse, a carência... E quando isso acontece, a energia vital que nos sustenta, vai ladeira abaixo. Ou você não conhece alguém que te- nha caído em depressão por conta de um amor mal sucedido? Por MARIA SANZ MARTINS, é advogada, escritora e designer. Autora do livro “A Vida Secreta da Gente”. SOLIDÃO ARTIGO E se isso acontece é porque na ausência da “vontade” estagnamos, perdemos o poder de ação. E na falta da “inteligência”, ilusiona- mos, caímos na fantasia, no medo, na distor- ção da realidade. Portanto, não por outra razão, amar a si próprio é das principais providências para que o elo com o outro seja sadio, seja potente e mantenha o equilíbrio. ARTIGO R e v i s t a G a l w a n • 125 124 • R e v i s t a G a l w a n

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