Revista Galwan 2022
DAVID NEMER é professor na Universidade da Virgínia, PhD em Computação, Cultura e Sociedade, mestre em Antropologia e Ciência da Computação. É autor do livro "Tecnologia do Oprimido" e “Favela Digital: o outro lado da tecnologia”. ARTIGO Emojis E BLACKFACE DIGITAL ARTIGO O s emojis fazem parte do Unicode, um vasto e importante padrão usa- do em quase todos os sistemas de computação. Unicode é o que ga- rante que um “a” na minha tela se pareça com um “a” na sua, e que um emoji de estrela per- maneça uma estrela em todos os lugares. Os emojis na verdade antecedem os smartphones modernos, pois emergiram do caótico ecossis- tema de telefones do Japão. Mas foi somente em 2010, com o apoio da Apple e do Google, que o Unicode padronizou o emoji. O Unicode é um consórcio cujos membros são personalidades atuantes no mundo tecno- lógico, assim como as gigantes do Vale do Si- lício como Apple, Facebook, Google e Huawei. Não é de se surpreender que os emojis dispo- níveis na coleção fossem um reflexo da falta de diversidade e representatividade na com- posição do conselho. Porém, desde 2012, quando as críticas se intensificaram em relação aos emojis serem "brancos" e voltados para costumes e culturas do Norte Global, o Unicode vem expan- dindo a diversidade na sua coleção. No início de 2015, o Unicode dis- ponibilizou diferentes tons de pele para que o usuário pudesse escolher nos emojis humanos. E embora essa mudança tenha superficialmente so- lucionado a questão de raça, ela pos- sibilitou um outro problema: o blackfa- ce digital. O blackface digital é o ato de produzir, postar ou circular emojis, gifs, memes e outras imagens de negros para expressar várias reações emocionais on- -line — é a prática de não-negros que reivindicam anonimamente uma identida- de negra por meios tecnológicos. Usar um emoji muito mais escuro que o seu próprio tom de pele indica uma falta de autoconsciência. Essa ação, de experimentar uma raça diferente por diversão em suas inte- rações digitais, é reservada para aqueles que já caminham pela sociedade com uma certa quantidade de privilégios. Embora isso não signifique que a pessoa seja necessariamente racista, isso indica uma falta de consciência do que pode representar para as pessoas dessa raça que recebem a mensagem do outro lado da tela. Ao experimentar a pele negra quan- do é divertido, seguro e conveniente, a pessoa não-negra banaliza as experiências e a luta histórica de pessoas negras. Por exemplo, um adolescente branco ao entrar em uma loja de artigos de luxo com certeza não teria vontade de se passar por um negro naquele momento. Ao contrário de pessoas brancas, os negros não podem escolher quando é conveniente invocar sua negritude. Quando entramos no mundo digital, é fá- cil sentir que podemos deixar nossas identida- des da vida real para trás. Mas a dinâmica de poder que existe na vida real não desaparece apenas porque estamos escondidos atrás de uma tela. Nossos espaços digitais são tão im- pactados pela raça quanto os físicos. Portanto, seja racialmente honesto. Represente-se como você é. Como pessoas brancas, reconhecer o privilégio racial pode ser desconfortável. Mas esse entendimento é o primeiro passo — o pri- meiro passo para resistir há séculos de vio- lência racial sistêmica, o primeiro passo para combater a supremacia branca e o primeiro passo para construir comunidades atenciosas e interseccionais — que levem em consideração questões de raça, gênero, e classe. É preciso que sejamos honestos sobre a cor da nossa pele enquanto ouvimos as necessi- dades das pessoas negras, para que soluções tecnológicas não ofereçam mais um canal para se reforçar o racismo. 126 • R e v i s t a G a l w a n R e v i s t a G a l w a n • 127
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