Revista Galwan 2022

Em entrevista para a Revista Galwan, ela fala sobre como a vida pode ser leve e alegre mesmo em meio às incertezas e instabilidades do cotidiano, o que realmente vamos absorver desse período, os ensinamentos, a dificuldade de estar em uma solidão imposta e a impor- tância do meio virtual nesse processo. QUAIS HÁBITOS OU PRÁTICAS ADQUIRIU DURANTE A VIDA QUE TE FAZEM MANTER O EQUILÍBRIO, ESPECIALMENTE EM PERÍODOS CONTURBADOS COMO O QUE VIVEMOS ATUALMENTE? Eu sempre vivi muito sozinha, gosto de estar isolada, escrevendo, lendo, pensando, gos- to de plantas, animais, adoro cuidar da casa. Enfim, pra mim o que mais me fez sofrer foi parar os encontros presenciais, as palestras, o afeto das pessoas nos lançamentos de livros. Mas, para mim, estar em casa na verdade é um prazer. Estar o tempo todo com o meu fi- lho é uma novidade deste período. Aprende- mos muito um com o outro e somos cada vez mais parceiros. EM UM PRIMEIRO MOMENTO DE PANDEMIA, MUITO SE FALOU SOBRE UMA ‘RECUPERAÇÃO’ DA HUMANIDADE E REVISÃO DE VALORES, ATÉ MESMO PELAS CONSTANTES AÇÕES DE SOLIDARIEDADE DE EMPRESAS E PESSOAS. A SEU VER, ESSA MUDANÇA É UMA REALIDADE QUE VEIO PARA FICAR OU TEVE IMPACTO NO INÍCIO, MAS NÃO DEVE PERMANECER? Muitas mudanças inevitavelmente ocorrerão em função da pandemia, mas são mudanças mui- to profundas que devem dizer respeito ao pró- prio ser humano, ele está em questão. Quem somos? Que valores temos? O que realmen- te nos importa? O que de fato buscamos? Estas questões não são rapidamente res- pondidas nem têm uma resposta obje- tiva, porque pertencem ao domínio dos hábitos, dos pequenos gestos. Exatamente por serem mudanças profundas, não se limitam a um discurso. Muitas pessoas perderam alguém querido, outras tantas estiveram seriamente doentes, tendo a própria vida em risco. Estamos tendo que lidar com o imprevisível da vida, a instabilidade, a falta de controle. Estamos tendo que lidar com o nosso ínfimo poder diante da natureza, tudo isso nos trará mudanças profun- das. Mas a pandemia ainda não acabou e está longe de acabar totalmente. Só veremos estas transformações daqui a um tempo. EM CITAÇÃO ANTERIOR, VOCÊ DIZ QUE O MUNDO ESTÁ EM EXAUSTÃO. ACREDITA SER POSSÍVEL DESENVOLVER A FELICIDADE MESMO NESTE CONTEXTO? A felicidade é uma ideia ruim porque prome- te muito, deixando sempre a sensação de que não está, não chegou, ainda falta algo. A fe- licidade é uma ideia torta, muito utilizada para vender produtos. Em cada coisa que compra- mos vem embutida esta promessa de felicida- de que nunca chega. A vida pode ser alegre, muito alegre, inclusive em momentos terríveis como este que estamos vivendo. A alegria está ligada ao milagre da existência, a exceção que é estar vivo. Toda alegria é no fundo a alegria de viver, é sempre uma comemoração da exis- tência. Sim, podemos e devemos estar alegres durante esta pandemia. Afinal ainda estamos aqui, diferente das mais de quinhentas mil pes- soas que já foram.  HÁ CAMINHOS POSSÍVEIS PARA VIVER DE FORMA MAIS LEVE E PLENA? Sim, tendo consciência da finitude da vida, ten- do clareza de que viver é uma honra, porque a vida pode nos faltar a qualquer momento, passamos a valorizar o que é realmente im- portante que são os pequenos gestos, as coisas simples, as parcerias, a solidariedade, a alegria compartilhada que não custa nada.  ESSE É UM PERÍODO EM QUE A SOLIDÃO ESTÁ CONSTANTEMENTE PRESENTE NO COTIDIANO DAS PESSOAS, O QUE NOS FAZ REPENSAR AQUELE TRECHO ESCRITO POR TOM JOBIM: “É IMPOSSÍVEL SER FELIZ SOZINHO”. QUAL É O SEU PONTO DE VISTA SOBRE ISSO? Sim, estar sozinho durante uma pandemia é muito sofrido porque o isolamento social im- pede a convivência, o que é diferente de uma solidão aberta a encontros, com possibilidades de parceria. Estar sozinho sabendo que você pode sair, ir a um bar, um cinema, um show e encontrar pessoas é muito diferente de es- tar isolado, impedido por uma doença grave como esta. Esta nossa solidão tem sido mui- to dura e difícil para todos. É importante que as pessoas se relacionem virtualmente, que se abram para este tipo de encontro e de troca de afetos, o que é totalmente saudável e pos- sível. A pandemia veio nos ensinar, entre ou- tras coisas, que a virtualidade tem um papel essencial em nossas vidas. Foi esta virtualida- de que permitiu a máquina do mundo conti- nuar rodando. Sim, os afetos também podem aprender com estas ferramentas, o importante é estar trocando, dialogando, precisamos dis- so pra viver, se não for presencialmente que seja virtualmente.  ENTREVISTA ENTREVISTA BÔNUS DA ENTREVISTADA Em um gesto de afeto e compartilha- mento de ideias com os leitores da Re- vista Galwan, Viviane Mosé selecionou, dentre todas as suas obras, uma que melhor acolhe e afaga a todos nes- te momento de reestruturação física e emocional. Retirado do livro Calor, publicado em 2018, apresenta con- teúdo mais atual do que nunca. Afinal, pequenos gestos, simplicidade e com- partilhamento são o que fazem a vida valer a pena. PONTO DE FUSÃO Há um lugar aonde chegar, Um estado, uma postura Onde tudo se completa. Há sim um lugar, uma alegria Onde não há mais letra Tudo são mãos que se dão. E não birra. Há um ponto De fusão, onde tudo se abraça E já não há mais frio. Na alma, apenas o calor Do sagrado e do amor A aderir o que separa. R e v i s t a G a l w a n • 19 18 • R e v i s t a G a l w a n

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